Com a chegada de dezembro, a fachada do Palácio de Belém é decorada com ramagens entrelaçadas em forma de grinaldas, evocando-se, assim, o Natal. É uma tradição recente, com pouco mais de duas décadas, enquanto decoração natalícia, mas que foi usada em vários momentos da história do palácio, sem relação com o Natal. Conhecem-se duas imagens (um desenho e uma gravura) do séc. XIX, onde se vê o mesmo esquema decorativo. Uma dessas imagens é a que aqui destacamos.

Foi publicada em 1841, com o título «Palácio Real e jardim de Belém, em Lisboa», no «Universo Pittoresco. Jornal de Instrucção e Recreio», um importante periódico dos primórdios da imprensa moderna portuguesa que surgiu em 1839 e perdurou até 1844. Sob a direção de Inácio de Vilhena Barbosa, destacava-se pela excelência das imagens e pelo caráter literário dos seus textos, ambos refletindo a estética do Romantismo. Esta imagem é bem exemplo disso.

Está assinada «Legrand Lith.», sendo Legrand a abreviatura de Charles Legrand, e «Lith.» a abreviatura de litografia. Na margem inferior direita, o nome e a morada de quem imprimiu a imagem: «Manuel Luiz da Costa, Rua Nova dos Mártires, N.º12, Lisboa», uma das mais importantes oficinas litográficas da época. A litografia (do grego lithos, pedra, e grafia, escrita), ou litogravura, uma técnica inventada no final do séc. XVIII, revolucionou a arte da impressão no séc. XIX. Utiliza como matriz uma pedra calcária, na qual o desenho se faz, não por sulcos, como acontece noutros tipos de gravura, como a xilogravura, mas diretamente na pedra utilizando-se materiais gordurosos. Tais características permitem a impressão em diversos suportes, o que explica que tenha sido a grande aliada na expansão da imprensa, durante o séc. XIX, assim como para os artistas que exploraram esta nova técnica. Lembremo-nos de que, à época, a fotografia estava a dar os primeiros passos, pelo que a imprensa recorria a desenhos e gravuras para ilustrar os textos.

O autor desta imagem, Charles Legrand, era um artista francês que trabalhou em Portugal na segunda metade do séc. XIX, sobre quem se sabe muito pouco, mas se conhecem muitas gravuras. Além de ter representado personalidades de várias épocas da História de Portugal, Legrand deixou-nos muitas imagens de praças, monumentos, e locais de diversas zonas do nosso país, sempre com grande mestria, e que são hoje testemunhos preciosos daquela época. É também o caso desta gravura onde Legrand representou o Palácio de Belém e a praça dianteira, e que ilustrava um texto do «Universo Pittoresco» sobre o palácio. A propósito da fachada, escrevia-se: «A parede exterior do jardim é guarnecida de alegretes povoados de flores, dos quais caem sobre o muro diferentes variedades de chorões (Mesembryanthemum) formando vistosas grinaldas.» E dizia-se: «É nas salas do palácio real de Belém, que Sua Majestade a Rainha costuma dar os bailes de inverno.» A Rainha era D. Maria II, que residia a maior parte do ano no Palácio das Necessidades, com o príncipe consorte, D. Fernando II, e a vasta prole, passando algumas temporadas em Belém. Durante dois anos (1844-1846), enquanto decorriam obras nas Necessidades, a família real habitou no Palácio de Belém, local onde nasceu o quarto filho de D. Maria II, a princesa Antónia de Bragança, no dia 17 de fevereiro de 1845.

A perspetiva e o detalhe arquitetónico desta imagem lembram-nos uma fotografia, efeito que pode ser mais do que uma coincidência. No final do texto do «Universo Pittoresco», informa-se o leitor: «A nossa estampa é cópia de uma vista tirada com o Daguerreótipo de sobre aquele cais.». Sabe-se, também, que Legrand está ligado aos primórdios da fotografia em Portugal, sendo autor de várias cópias de daguerreótipos pelo processo litográfico, representando monumentos portugueses, que foram expostos ao público e elogiados por D. Fernando. Não sendo ainda uma fotografia, a gravura de Charles Legrand é, sem dúvida, um primeiro olhar fotográfico do Palácio de Belém, o que enriquece ainda mais esta imagem repleta de História.

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Palácio Real e jardim de Belém, em Lisboa (litogravura). Capa do «Universo Pittoresco. Jornal de Instrução e Recreio», publicado entre 1839 e 1844, pela Imprensa Nacional, dirigido por Inácio de Vilhena Barbosa. Alçado (desenho) do Palácio de Belém, onde se veem grinaldas festivas. Produtos do Museu da Presidência da República com gravura de Charles Legrand. À venda na loja do museu. Decoração natalícia do Palácio de Belém, com utilização de grinaldas. Ao contrário dos anos anteriores, e devido à crise energética, o Presidente da República decidiu que este ano a fachada não terá iluminação noturna. Imagem do número de dezembro da rubrica mpr+.